segunda-feira, 9 de abril de 2012

Vasco da Gama e os negros: uma relação que mudou o futebol brasileiro.




Falem comigo vascaínos!


Hoje será um dia extremamente especial para este blog, pois, com um enorme prazer,  abro espaço  para um cara sensacional: Hebert Murilo.  Dono do site Futebol Barrense,  esse grande botafoguense  manja muito de futebol e como desejei tratar  sem  sentimentalismo de um assunto que me interessa bastante, encomendei de meu amigo um texto sobre a origem dos negros no futebol e acabei ganhando um presentão. Portanto, deliciem-se com esse texto esclarecedor, e apaixonem-se ainda mais pelo nosso amado Gigante da Colina!


 
Na década de 20, Vasco enfrentou os grandes clubes do Rio e contribui para a luta contra o racismo no esporte.

            Apesar de não ter sido o primeiro clube carioca a contar com negros em seu plantel, como a maioria da imprensa divulga, o Vasco da Gama desempenhou papel fundamental na permissão da prática do futebol por parte de negros e atletas de camadas sociais mais baixas. O pioneiro na verdade, ainda na década de 10, foi o Bangu, que escalou Francisco Carregal, um operário da Fábrica de Tecelagens Bangu, acostumado a apresentar-se em público com os trajes mais elegantes da época. Tal característica, era reflexo do preconceito racial que dominava o Brasil, mesmo algumas décadas após a abolição. Francisco Carregal caprichava nas vestes para ser reconhecido como um homem, que apesar de negro, compartilhava dos hábitos e costumes da elite branca.
            O time banguense ainda escalou outros atletas mestiços, entre eles o goleiro Manuel Maia, assim como faziam as equipes do Esperança e do Brasil, times cariocas já extintos. Mas a situação do negro no futebol brasileiro só passou por uma mudança significativa quando o Vasco carregou a bandeira do profissionalismo. O fato era que, na época do futebol amador, os cruzmaltinos destacavam-se por contar com atletas que dedicavam todo seu tempo ao esporte. Grupos de torcedores portugueses organizavam-se para juntar recursos e premiar os atletas do Vasco, em sua maioria negros e operários, inclusive, foi dessa prática que nasceu o termo “bicho”, tão atual no futebol brasileiro. Como forma de driblar o regulamento da época, que proibia remuneração para o elenco, os empresários lusitanos presenteavam seus atletas com animais de corte, como porcos, vacas e galinhas, criando o hábito do “bicho”.
            Depois de começar sua trajetória na segunda divisão do Campeonato Carioca, o Vasco conseguiu classificar-se para a elite estadual no ano de 1923. Com seu time repleto de operários negros, que dedicavam-se exclusivamente aos treinamentos, os cruzmaltinos venceram a maioria dos jogos no segundo tempo, quando os almofadinhas brancos de Botafogo, América, Flamengo e Fluminense já estavam cansados, devido à fraca preparação física que faziam por terem outros afazeres. Ao fim do torneio, o Vasco coroou o ano da estreia na elite com o título do Campeonato Carioca, conquistado com antecedência, numa vitória de 3 a 1 sobre o São Cristóvão, na penúltima rodada.
            A Liga Metropolitânea de Desportos Terrestres (LMDT), entidade encabeçada pelos então 4 grandes do Rio, América, Botafogo, Flamengo e Fluminense, era quem organizava o Campeonato Carioca e não ficou nada satisfeita com o sucesso do Vasco. Como maneira de isolar o clube português, os dirigentes dos grandes clubes criaram uma nova liga, a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA), adicionando ao regulamento do estadual de 1924 exigências que praticamente excluiriam o Vasco. Além de cobrar a posse de estádio próprio, ordenava que todos os jogadores deveriam comprovar sua atividade paralela ao futebol. Seriam aceitos apenas os atletas que estudavam, privilégio de poucos no Brasil da década de 20, e de nem tantos na década de 2010; e os que trabalhavam exercendo funções “dignas”. Assim, o Vasco, que ainda não havia construído São Januário, e que contava com “reles” operários em seu plantel, ficava impossibilitado de participar da disputa.
            Antes pioneiro na inclusão de negros no futebol carioca, o Bangu foi um dos times que adequaram-se às novas medidas para disputar o estadual da AMEA, excluindo de seus elencos os atletas “indignos” de tal prática, assim como fizeram outros clubes, entre eles o São Cristóvão. Já o Vasco, manteve-se firme, e recusou-se a mudar sua política de inscrição de atletas, manifestando essa intenção em uma carta histórica, enviada à direção da AMEA pelo então presidente do clube, José Augusto Prestes. O ofício, em tom educado, informava que o Vasco desistia da disputa do campeonato da AMEA, e protestava contra as resoluções da diretoria, dizendo que não deveria ser considerado incapacitado à ingressar na disputa “nem pela deficiência do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa sede, nem pela condição modesta de grande número dos nossos associados”.
            Com o rompimento, foram disputados dois Campeonatos Cariocas no ano de 1924, sendo o Fluminense campeão do torneio organizado pela AMEA, e o Vasco campeão da competição realizada pela LMDT. Mas o elitismo e o preconceito da elite carioca foram vencidos em 1925, quando os dirigentes da AMEA afrouxaram as exigências, permitindo a inscrição dos times sem estádio, e daqueles que contavam com representantes do povo em seus elencos. Assim, o Vasco da Gama voltou à verdadeira elite estadual, tornando-se o mais novo grande clube do Rio de Janeiro.

                                                                              Hebert Murilo Cristiano Soares.


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